O Rerct-Geral e seus efeitos criminais

Por:
José Luis Oliveira Lima
Rodrigo Dall’Acqua

Existem novidades importantes no novo regime de regularização fiscal, promulgado pela Lei nº 14.973, de 16 de setembro de 2024, denominado de Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária (Rerct-Geral). Garantindo imunidade criminal como estímulo à regularização de situações fiscais, o primeiro Rerct foi criado em 2016 e arrecadou cerca de R$ 45 bilhões. Já o segundo programa, instituído em 2017, angariou quase dez vezes menos. Natural, então, que o terceiro regime de regularização viesse mais amplo.

A principal ampliação é a possibilidade de regularizar ativos mantidos no Brasil por pessoas físicas e jurídicas. As duas primeiras edições do Rerct eram voltadas para regularização e repatriação de recursos mantidos no exterior. O regime atual permite a declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, mantidos no Brasil ou no exterior.

Outra novidade no Rerct Geral é a aparente permissão e adesão para políticos, funcionários públicos e seus parentes. O primeiro regime de regularização, instituído em 2016, proibia o ingresso de detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, cônjuges e seus parentes. Mas essa vedação não é replicada na nova lei.

Assim como nos regimes anteriores, só podem ser objeto de regularização os recursos, bens ou direitos de origem lícita, considerados como tais aqueles oriundos de atividades permitidas ou não proibidas pela lei. O contribuinte deve declarar que os bens e recursos são provenientes de atividade econômica lícita, mas não precisa provar a origem dos valores, o que é bastante razoável, haja vista que são recursos não contabilizados e muitas vezes antigos.

Imunidade criminal

E para possibilitar a imunidade criminal, o conceito de origem lícita é estendido para incluir o produto ou o proveito de alguns crimes especificamente previstos na própria lei. Serão considerados como de origem lícita, para fins de regularização, os crimes tributários previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8137/90, o que abrange tanto a sonegação fiscal como a apropriação indébita de tributos. A lista inclui a sonegação de contribuição previdenciária, mas não contempla acusações de apropriação indébita previdenciária.

Abrange os crimes praticados como meio para o delito tributário, ou seja, aquelas infrações que são cometidas para se alcançar o “crime fim”, no caso, o ilícito fiscal. O Rerct-Geral elenca como “crimes meio” os delitos de falsificação de documento público, falsificação de documento particular, falsidade ideológica e uso de documento falso.

Visando à repatriação de valores mantidos fora do Brasil, os crimes financeiros de evasão de divisas e manutenção de conta não declarada no exterior também terão os seus recursos aceitos no regime. Por fim, a lista se encerra com o crime de lavagem de dinheiro, mas somente quando o objeto do branqueamento for bem, direito ou valor proveniente, direta ou indiretamente, dos crimes previstos no Rerct-Geral.

O mais importante é que, ao aderir e quitar as obrigações previstas no Rerct-Geral, todos esses crimes terão a sua punibilidade extinta, ainda que já exista uma investigação ou processo criminal instaurado.

Controvérsia sobre imunidade penal

Há uma controvérsia sobre a possibilidade de imunidade penal para fatos que já foram objeto de condenação criminal em primeira instância. O texto legal é impreciso, sendo que a interpretação constitucionalmente mais correta é considerar que a adesão produz efeitos até o trânsito em julgado de uma condenação. O STF concluiu pela repercussão geral do assunto em 2021 (tema nº 1138), mas ainda não julgou a questão.

Caso os ativos regularizados estejam em nome de interposta pessoa, aquela que age em nome de outra (popularmente conhecida como testa de ferro ou laranja) se estenderá a ela a extinção da punibilidade destes mesmos crimes. Para tranquilizar o contribuinte quanto aos efeitos da confissão de seus crimes, a lei afirma que a declaração de regularização não poderá ser, por qualquer modo, utilizada como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal.

O enfoque criminal do novo Rerct-Geral segue voltado para os delitos que orbitam em torno do clássico caixa-dois, incluindo eventual remessa ilegal e conta não declarada no exterior. Valores relacionados com quaisquer outros delitos, como por exemplo corrupção, fraude licitatória ou tráfico de drogas, não são passíveis de regularização por meio desse regime.

O programa atual amplia seu alcance para a regularização de ativos existentes no Brasil, de pessoa físicas ou jurídicas, incluindo aqueles mantidos em nome de terceiros, representando uma boa oportunidade para acertar as contas com o passado e eliminar riscos criminais.

 

José Luis Oliveira Lima é advogado criminalista, sócio de Oliveira Lima e Dall’Acqua Advogados.

Rodrigo Dall’Acqua é advogado criminalista, sócio do Oliveira Lima e Dall’Acqua Advogados e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

José Luis Oliveira Lima