Pela segunda vez este ano, o senador Alessandro Vieira (PPS-SE) protocolou pedido de instauração de CPI para “investigar condutas ímprobas, desvios operacionais e violações éticas por parte de membros do STF e dos demais tribunais superiores do País”. Basicamente, pretende averiguar decisões de ministros das cortes superiores, questionando o mérito dos julgados, causas de suspeição e o uso do pedido de vistas.
O nome fantasia da manobra é “CPI da Lava Toga”, infame golpe de marketing para dar a impressão de que o Judiciário padece dos mesmos males apurados na Operação Lava Jato. Capcioso no nome, o pedido é ilegal e inconstitucional.
Ilegal porque ofende o regimento interno do Senado, que diz que “não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes: (…) às atribuições do Poder Judiciário (artigo 146)”. A proibição é literal. Dispensa comentários.
A inconstitucionalidade do pedido é igualmente flagrante, mas com ares de farsa. De início, o requerimento sustenta que a fiscalização dos tribunais é de responsabilidade do Senado, “conforme preceitua o inciso IV, art. 71 da Constituição da República”.
Ocorre que o inciso IV não diz nada disso. Prevê apenas que o Senado poderá fazer “inspeções e auditorias de natureza contábil financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário”. Ou seja, possui competência constitucional só para auditar aspectos administrativos das unidades do Judiciário, não podendo, jamais, questionar o que ele julga.
O requerimento, além de deturpar dispositivo constitucional, cita equivocadamente trecho de decisão do ministro Celso de Mello, desvirtuando completamente seu sentido. Um pedaço entrecortado de uma frase contida em voto no HC nº 79.441, de 1999, é transcrito pelo parlamentar para transmitir a falsa impressão de que o ministro admite a competência de CPI para investigar atos jurisdicionais de magistrados.
No citado voto, Celso de Mello prega exatamente o contrário. O voto foi proferido no âmbito da “CPI do Judiciário”, instaurada para apurar, como foco principal, ilegalidades administrativas na construção do prédio do TRT-SP. Em sua manifestação, o ministro afirmou “que se revela constitucionalmente lícito”, a uma CPI, apurar “atos de caráter não-jurisdicional emanados do Poder Judiciário”, deixando bem claro que tal competência “não se estende e nem abrange os atos de conteúdo jurisdicional”.
Além de ilegal, a CPI requerida busca atacar o princípio da independência funcional dos juízes, essencial para a democracia. É condição primordial para o funcionamento da Justiça que o magistrado tenha liberdade para decidir de acordo com suas convicções jurídicas, sem que seja prejudicado por suas manifestações, conforme reza a Lei Orgânica da Magistratura.
O Judiciário certamente tem problemas que merecem ser debatidos e solucionados, mas não por uma CPI torta. Enquanto agir ao arrepio da lei e pautado pela ineficiência, demagogia e sensacionalismo, o Legislativo continuará sem credibilidade. E longe do exercício de sua nobre missão.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 25/03/2019.