O Tribunal Penal Internacional (TPI) surgiu como uma resposta à conduta de nações que, sistematicamente, cometem atrocidades contra suas próprias populações, dizimando minorias e tolhendo direitos de seus cidadãos.
No entanto, passadas duas décadas de sua criação, o TPI parece longe de cumprir seu objetivo. Conseguiu garantir apenas quatro condenações e atualmente enfrenta uma grave crise de legitimidade.
Constou de um recente relatório, elaborado por um órgão de revisão de peritos independentes, a existência de uma série de deficiências no funcionamento da corte, incluindo um relaxamento preocupante no atendimento às precondições para a intervenção do tribunal.
Foi justamente por conta da inobservância dos requisitos necessários para a atuação do TPI que sua Câmara de Pré-Julgamento cometeu recentemente um grave equívoco: reconheceu sua jurisdição em relação a questões envolvendo o conflito israelo-palestino, o que extrapola em muito sua legitimidade como órgão judicial.
De início, registra-se que a câmara se recusou a analisar a existência, do ponto de vista jurídico formal, de um Estado palestino capaz de delegar jurisdição ao Tribunal Penal Internacional. Isso porque, de acordo com o Estatuto de Roma —que rege o funcionamento do tribunal—, a corte só poderá atuar no território de Estados-membros, o que não é o caso do Estado palestino. Seu status de “Estado observador”, concedido pela ONU, possui natureza política e não jurídica. Se a jurisdição do Tribunal Penal Internacional deve, obrigatoriamente, observar o direito internacional, então o esclarecimento a respeito da definição jurídica do que seria o Estado palestino é matéria que deve anteceder o debate envolvendo a atuação da corte no conflito.
Ademais, ainda que tal questão pudesse ser superada com facilidade, o tribunal deveria recordar-se de que sua atuação está restrita à ocorrência de quatro espécies de crimes (genocídio, definido como a tentativa de aniquilar determinado grupo étnico, racial ou religioso; crimes contra a humanidade, os quais se traduzem em ataques deliberados à população civil, através de assassinatos, estupros e condutas afins; crimes de guerra, os quais ocorrem em situações que desrespeitem a Convenção de Genebra; e crimes de agressão, que se dão a partir da utilização das Forças Armadas para atingir a soberania de outro Estado).
Não parece que o conflito israelo-palestino se enquadre em qualquer das hipóteses acima elencadas. Traçar um paralelo entre o que ocorre na região com a prática de crimes contra a humanidade é um posicionamento político, não jurídico. E, como ocorre em qualquer tribunal legítimo, não se pode admitir que a política se sobreponha à Justiça e ao devido processo legal.
O conflito israelo-palestino é um dos grandes dramas do último século. Mas forçar a atuação do Tribunal Penal Internacional, ignorando sua patente ausência de legitimidade, parece trazer mais problemas do que soluções, tanto para a região quanto para a própria corte.
*José Luis Oliveira Lima
Advogado criminalista, é ex-presidente da Caasp (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo) e do Conselho de Prerrogativas da OAB-SP
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/02/tribunal-penal-internacional-trai-as-esperancas-de-seus-fundadores.shtml