Operações policiais: balanço da jurisprudência e perspectivas

Por José Luis Oliveira Lima, Rodrigo Dall’Acqua e Rogério Costa

Ao longo de 2022, os tribunais enfrentaram diversas questões que mostram o entendimento do Judiciário sobre operações policiais pós-“lava jato”. O que parece ser uma tendência de preservação das garantias individuais pode gerar reflexos a partir deste ano de 2023.

Um tema central foi a competência do juiz criminal em casos complexos, ou seja, que envolvem crimes diversos. Questão fundamental para a análise da legalidade de uma investigação, que ganhou notoriedade por ter gerado a anulação de processos midiáticos da “lava jato” [1].

Não por acaso, as principais decisões de 2022 seguiram em casos dessa operação. O STF, em
dezembro, consolidou o entendimento de que investigações distintas não podem se concentrar em um único juízo só por serem de uma mesma operação [2]. Com isso, impede-se a criação de “superjuízes”, como ocorreu na “lava jato”.

Igualmente importantes são as questões sobre colaboração premiada, visto que operações policiais frequentemente se iniciam a partir de delações. Houve avanço no sentido da transparência dos acordos para os delatados. Em outubro de 2022, o Supremo declarou ser direito do acusado acessar também as tratativas e negociações e a audiência de homologação do acordo de colaboração premiada que o atinge [3].

Outro avanço foi o estabelecimento de condições e limites da prisão temporária, medida de privação da liberdade com tempo determinado durante a investigação, muito usada em grandes operações. O STF declarou ilegal o emprego da medida meramente para garantir a tomada de depoimento (prisão para averiguação), reafirmando o caráter excepcional de qualquer prisão antes do julgamento [4].

O excesso de prazo das apurações e dos bloqueios de bens e valores também esteve em foco. Veio do TRF-3 importante decisão revogando bloqueio de bens contra empresária que, após três anos de investigação, não havia sido denunciada [5]. Já o TRF-1 declarou ilegal um inquérito que vinha se arrastando por quatro anos [6].

Nota-se em tais decisões um amadurecimento da visão contrária aos excessos que caracterizaram a operação “lava jato”, representando uma tendência mais garantista da jurisprudência.

Para 2023, é possível que o maior desafio do Poder Judiciário seja seguir nesse caminho e não se deixar interferir pela pressão da mídia e da sociedade, como ocorrido na “lava jato”. Será necessário coragem para seguir proferindo decisões que preservem os direitos individuais, ainda que sejam impopulares.

É importante considerar também a mudança de governo. A composição de Ministérios como o da Justiça, que chefia a Polícia Federal, indica que a preservação das garantias individuais deve ganhar espaço.

Porém, a tendência garantista deve conviver com um aumento de medidas repressivas, a considerar os governos anteriores do PT. Lembremos que a Polícia Federal foi reestruturada e fortalecida ao longo do primeiro governo petista e, em 2013, foi sancionada a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850), trazendo novos crimes, penas mais severas e medidas investigativas invasivas.

O desafio certamente será lidar com a tecnologia. É preciso possibilitar que a Polícia Federal adapte as investigações a uma sociedade cada vez mais tecnológica e conectada, mas usando da racionalidade e não de medidas invasivas e truculentas. Nesse contexto se insere a prova digital, que envolve questões técnicas específicas para ser produzida respeitando os direitos do investigado e garantindo a sua validade.

De modo geral, a perspectiva é que as grandes operações policiais venham a ser realizadas em um cenário mais garantista, mas não menos complexo. Será exigido das polícias e do Ministério Público que promovam investigações com mais qualidade e que não lancem mão de velhos recursos, como prender para obter uma delação.

José Luis Oliveira Lima é advogado criminalista, sócio do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados, membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e ex-presidente da Comissão de Prerrogativas e Direitos da OAB-SP.

Rodrigo Dall’Acqua é advogado criminalista, sócio do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

Rogério Costa é advogado criminalista, associado do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

Disponivel em: Revista Consultor Jurídico, 12 de janeiro de 2023. OPINIÃO

José Luis Oliveira Lima

Com mais de trinta anos de experiência, foi eleito duas vezes entre os cem brasileiros mais influentes pela revista Época e apontado como um dos quinze mais importantes advogados do Brasil.

Autores

  • José Luis Oliveira Lima

    Com mais de trinta anos de experiência, foi eleito duas vezes entre os cem brasileiros mais influentes pela revista Época e apontado como um dos quinze mais importantes advogados do Brasil.

  • Rodrigo Dall'Acqua

    Formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tem especialização em Direito Penal Econômico, Internacional e Europeu pela Universidade de Coimbra e em Direito Ambiental pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

  • Rogério Costa