A entrevista do empresário Paulo Marinho e as suas revelações colocam o presidente da República no centro de mais um escândalo. Aliás, de um grande e recém descoberto escândalo: a interferência do Palácio do Planalto na Polícia Federal.
Não faltam reações públicas ao que Marinho falou à Folha de S.Paulo. A maioria classifica como algo “bombástico” para o governo e há quem coloque, sobre as revelações de Marinho, a responsabilidade de impulsionar o inquérito iniciado com as declarações feitas por Sérgio Moro ao sair do Ministério da Justiça. O cenário político explica todas essas reações.
O mandatário vinha de um primeiro ano de governo marcado por confusões, normalmente causadas por declarações polêmicas do próprio presidente e dos que o cercam.
Já no início deste segundo ano de governo, o país se viu atingido por uma crise sanitária mundial e o Palácio do Planalto se mostrou um dos maiores problemas para combater a covid-19. A OMS foi colocada como inimiga, os governos subnacionais que a seguem também e médicos simplesmente não conseguem conduzir a Saúde.
Com tantos motivos já existentes, as informações trazidas por Moro ao país foram um incentivo para os opositores políticos de Bolsonaro e para parte da sociedade que se organiza contra o atual governo. Então, de fato, a entrevista de Marinho é uma bomba para Bolsonaro em termos políticos.
Mas, em termos jurídicos, é preciso cautela, sobretudo nesse cenário crítico que estamos.
Pelo relato de Marinho, cuja riqueza de detalhes faz ser muito crível tudo o que disse, Bolsonaro foi beneficiado, durante sua campanha para a Presidência, por um delegado da Polícia Federal do Rio de Janeiro que era seu eleitor. Em essência, mudaram-se os rumos de uma investigação para que não prejudicasse o então candidato na eleição. Além disso, o então candidato foi orientado pelo tal delegado a como proceder para se proteger das acusações decorrentes dessa investigação e agiu conforme essas orientações.
É gravíssimo. E até pode ser usado no inquérito que investiga supostas tentativas do presidente de influenciar investigações da Polícia Federal, para demonstrar sua ligação com membros da instituição e robustecer a tese acusatória.
Mas essas revelações não são suficientes para denunciar Bolsonaro nesse inquérito. E, se fosse apresentada uma denúncia, não deveria ser recebida pelo Supremo Tribunal Federal (responsável por dar início ao processo contra o presidente da República por crime comum).
Primeiro, porque Marinho precisa ser ouvido formalmente e, ao seu relato, devem ser somadas provas que o tornem um indício válido. Seria necessário, no mínimo, ouvir aqueles que tiveram contato direto com o tal delegado eleitor de Bolsonaro. Do contrário, a acusação cairia na nefasta lógica de se basear em meras delações – que, no caso, são “informais”.
Segundo – e mais importante –, porque a Constituição Federal confere ao presidente da República uma imunidade temporária ao processo penal (artigo 86, § 4º). A regra constitucional é que o presidente, enquanto tal, só pode ser processado por um delito praticado durante e em razão do mandato.
Ou seja, como os fatos contados por Marinho ocorreram durante a campanha à Presidência, o Supremo não pode iniciar um processo sobre esses fatos enquanto Bolsonaro estiver no cargo.
Essa imunidade não é privilégio. É garantia para que um mandatário – por pior que seja – possa exercer regularmente o cargo para o qual foi eleito pelo voto popular. Portanto, é garantia da própria democracia.
As garantias constitucionais devem prevalecer. E o motivo não é menos estratégico do que traçar o caminho mais rápido para a saída de Bolsonaro: a democracia é o único meio para sobrevivermos ao atual desgoverno enquanto ele durar.
*José Luis Oliveira Lima, advogado criminalista, ex-presidente da CAASP e conselheiro da OAB/SP, membro do Instituto dos Advogados
*Rogério Costa, advogado criminalista, membro do IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa e do IBCcrim.
Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-caminho-e-a-constituicao-sempre/