Nada fizeram quando um certo deputado exaltou torturador no plenário da Câmara
VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
Um deputado federal, no plenário da Câmara, exalta um torturador. Nada acontece com ele.
Um presidente da República ataca diuturnamente a democracia e estimula um golpe de Estado. E nada.
Um procurador-geral da República se depara com tudo isso e não age. E, também, nada acontece com ele.
Golpistas acampam na frente de quartéis do Exército pedindo intervenção militar para manter no poder o presidente derrotado nas urnas.
As Forças Armadas e as Polícias Militares não fazem nada. Em vários momentos, até fazem: estimulam os terroristas.
Durante dias e dias, os golpistas anunciam aos quatro ventos que marcharão em direção à praça dos Três Poderes e invadirão os prédios públicos por não aceitarem a derrota do ex-presidente que fugiu para a Flórida para não passar a faixa ao vencedor do pleito eleitoral. O que fazem o governador e o secretário da Segurança Pública do Distrito Federal? Mandam as forças de segurança escoltarem os golpistas até o local em que os crimes seriam cometidos.
Esta é uma pequena amostra dos atos e omissões que levaram aos inadmissíveis ataques à democracia no último domingo (8).
Jair Bolsonaro (PL) trabalhou durante todo o mandato para abalar os mecanismos de controle do poder público. Algo absolutamente previsível para aqueles que não aceitam os freios e contrapesos inerentes aos regimes democráticos. Poucos órgãos se mantiveram altivos no combate ao arbítrio. E os mais destacados foram, sem dúvida, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. Mas vimos que eles não bastam, especialmente se órgãos de Estado se presumem órgãos de governo —ou, pior, órgãos de um governante. Não custa lembrar as referências do então presidente ao “meu Exército”.
A tragédia anunciada perpassa pela captura das instituições.
Causa perplexidade observar que o Ministério Público pouco ou nada fez ao longo de uma caminhada golpista que se arrasta há meses. Em especial quando se constata uma profunda inação após o país, estarrecido, tomar conhecimento de que uma bomba seria explodida no aeroporto de Brasília, fruto de um plano concebido em um dos acampamentos, que permaneceu intacto até a eclosão da tentativa de golpe.
Não é necessário muito esforço para perceber a leniência de diversos policiais nos últimos meses. A tão propagada inteligência das polícias não funcionou, mesmo sendo óbvio que a trama ocorria publicamente, por meio das redes sociais.
A pena do crime de prevaricação é ridícula. Não há recurso contra a inação do PGR, de procuradores e promotores quando pedem o arquivamento de inquéritos, mesmo que o crime seja evidente. É chegada a hora em que os fiscais da lei cumpram com suas funções, responsabilizem aqueles que praticam crimes contra a democracia e que atacam instituições de forma intolerável.
Da mesma forma, é necessário criar mecanismos para proteger as instituições de forma que não venham mais servir a governos ou ideologias de ocasião. Sem embargo do rastro de destruição, é de dentro do Palácio do Planalto que nossa democracia mostra força, resiste. Com a presidente do Supremo. Com o presidente do Congresso.
A pacificação do país é um objetivo a ser perseguido. Mas, diferentemente do que o Brasil tem feito em nome de supostas tréguas —como anistias, indultos, graças, perdões; enfim, esquecimentos— e que se comprovou contraproducente, é hora de cumprir a Constituição e as leis, é hora de responsabilizar, é hora de não esquecer. Só assim não precisaremos escrever a próxima crônica, a de uma tragédia anunciada.
Celso Vilardi
Dora Cavalcanti
José Luis Oliveira Lima
Pierpaolo Cruz Bottini
Roberto Dias da Silva
Advogados
Disponivel em: www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/01/cronica-de-um-ataque-anunciado.shtml
Publicado em: Folha de S.Paulo 9 de janeiro de 2023, TENDÊNCIAS / DEBATES.