Caso Sam Bankman-Fried: como a legislação brasileira trataria o desvio de fundos na FTX

Por Gustavo Turbiani

País tem mecanismos para coibir práticas fraudulentas eventualmente praticadas por exchanges.

Recentemente lançado no Brasil, o livro “Sem Limites: ascensão e queda de Sam Bankman-Fried” conta a história do jovem de 30 anos, fundador da FTX, uma exchange de criptoativos que em apenas três anos de existência chegou à surpreendente marca de R$ 1 bilhão em faturamento.

Mas não foi apenas o faturamento de sua empresa, criada quando tinha apenas 27 anos, que chamava a atenção do mundo. Samuel atraía atenção pela excentricidade de seu estilo de vida, refletido desde seu figurino à sua forma de viver socialmente.

De camiseta, shorts e tênis surrado, figurinos únicos para qualquer ocasião, não foram poucas as vezes em que SBF, como era chamado pela mídia, concedeu entrevista ao mesmo tempo em que jogava videogame.

A excentricidade do bilionário, no entanto, sempre foi encarada como algo próprio de jovens geniais e disruptivos, nunca como um problema. Ao menos até descobrirem que ela também se estendia à forma pela qual geria o patrimônio de seus clientes.

Segundo apurado pelo DOJ, Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Samuel desviava fundos da FTX para outra empresa de sua titularidade, utilizando-os em benefício próprio e em contribuições políticas a candidatos democratas e republicanos. Ainda segundo o órgão, emitia relatórios aos seus clientes sonegando essas operações e impedindo que fossem descobertas.

Todas as questionáveis condutas pessoais e profissionais de Samuel foram contadas no recém-lançado livro escrito por Michael Lewis, autor das obras que deram origem aos filmes “A Grande Aposta” e “Moneyball”.

A agradável leitura da obra acende uma dúvida especificamente em relação aos fatos pelos quais Samuel foi condenado: e se eles tivessem ocorrido no Brasil? Nossa legislação está madura para punir criminalmente essas condutas?

De fato, o assunto ainda é incipiente no Brasil. A lei que estabeleceu regras para as prestadoras de serviços de ativos virtuais (exchanges) no Brasil entrou em vigor apenas em 2023 (Lei nº 14.478/2022).

Após sua publicação, o Decreto nº 11.563/2023 estabeleceu que competiria ao Banco Central regulamentar diversas de suas previsões, o que não aconteceu até o presente momento.

Brasil já teria como punir práticas de Bankman-Fried

Todavia, mesmo que o país ainda engatinhe nessa relevante regulamentação, as previsões contidas na Lei nº 14.478/2022 já permitem que condutas como as praticadas por Samuel Bankman-Fried sejam devidamente punidas em território brasileiro.

O artigo 11 da Lei 14.478/22 acertadamente alterou a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeira Nacional (Lei nº 7.492/86), incluindo as exchanges dentre o rol de empresas que se equiparam a instituição financeira. Ao assim fazer, seus controladores, administradores, diretores ou gestores poderão responder pelo extenso rol de crimes previstos naquela lei.

A Lei 7.492/86, por sua vez, penaliza diversas condutas que se equiparam àquelas pelas quais Samuel foi condenado nos Estados Unidos.

Por exemplo, a conduta de desvio ou de malversação de fundos de clientes pode configurar o crime de gestão fraudulenta, previsto no artigo 4º da Lei nº 7.492/86, cuja pena varia de 3 a 12 anos de reclusão.

Já a utilização desses recursos em benefício próprio, outra conduta pela qual Samuel foi condenado, apresenta similitude com o artigo 5º da mesma lei, cuja pena varia de dois a seis anos de reclusão.

Além disso, a indução em erro de investidores quanto à situação financeira da exchange a partir da prestação de informações falsas guarda adequação típica com o artigo 6º da Lei nº 7.492/86, cuja pena varia de dois a seis anos.

No que toca à lavagem de dinheiro, a conduta também é punível pelo artigo 1º da Lei nº 9.613/98, com penas que variam de três a dez anos.

Ou seja, mesmo que as exchanges ainda não estejam totalmente regulamentadas no Brasil, as disposições da Lei nº 14.478/22 são suficientes para permitir a responsabilização penal de seus administradores, dirigentes ou gestores por condutas como as praticadas por Samuel Bankman-Fried.

A regulamentação que se avizinha poderá, ainda, introduzir novos deveres e obrigações às prestadoras de serviço de ativos digitais, cujo descumprimento também poderá ocasionar na eventual responsabilização criminal daqueles sobre quem esses eles recaiam.

Em síntese, embora as prestadoras de serviço de ativos digitais estejam em processo de regulamentação no Brasil, condutas criminosas semelhantes às atribuídas a Samuel Bankman-Fried nos EUA já são passíveis de punição no país.

A legislação brasileira prevê mecanismos para coibir e penalizar práticas fraudulentas e lesivas eventualmente praticadas pelas exchanges, conferindo maior segurança e transparência nas operações dessas entidades mesmo enquanto não estejam devidamente reguladas.

Gustavo Turbiani é advogado criminalista e pós-graduado em direito penal econômico pela Fundação Getúlio Vargas, associado do Oliveira Lima & Dall´Acqua Advogados

Disponível: https://www.debatejuridico.com.br/opiniao/caso-sam-bankman-fried-como-a-legislacao-brasileira-trataria-o-desvio-de-fundos-na-ftx/