É crescente o coro de vozes que consideram o sigilo bancário como mera garantia ao encobrimento de ilicitudes, esquecendo-se de sua relevante função na proteção da vida privada do cidadão.
Contudo, a importância desta garantia foi reafirmada pelo lamentável episódio protagonizado pela “CPI do Banestado”, que determinou a quebra coletiva e indiscriminada do sigilo bancário de uma grande quantidade de pessoas, sem que houvesse justificativas concretas para tal ato.
Em conseqüência, produziram-se arquivos contendo toda a vida bancária de cidadãos sem nenhum envolvimento com práticas criminosas, causando preocupação quanto ao vazamento e uso indevido destas informações, e, sobretudo, relembrando que a proteção de dados também serve aos inocentes.
Salta aos olhos a importância do sigilo bancário para a tutela do direito à intimidade do cidadão, mas o alcance desta garantia constitucional não se exaure no salvaguardo do correntista, justificando-se também para proteção do segredo profissional do banqueiro e seus prepostos, que assumem o dever legal de fidelidade e absoluta discrição quanto às informações confiadas.
Os profissionais que integram as instituições financeiras e lidam diariamente com informações sigilosas possuem não apenas o dever, mas o direito de preservar sigilo quanto às operações bancárias de seus clientes.
Em maior amplitude e relevância, o sigilo bancário se impõe para a própria preservação do sistema financeiro nacional, composto de instituições que precisam oferecer aos seus clientes o segredo necessário para captação de recursos e geração de investimentos, que, sem esta garantia, migrariam para países onde houvesse uma adequada proteção dos dados bancários.
Portanto, não seria exagero afirmar que o sigilo bancário é essencial para a sobrevivência das instituições financeiras, sendo absolutamente natural que estas, agindo em defesa de bem tão precioso, possam questionar a legalidade das ordens de quebra de sigilo dirigidas aos seus clientes.
Na maioria das vezes, ao receber uma requisição judicial de quebra de sigilo de um de seus correntistas, a instituição financeira não poderá insurgir-se contra os fundamentos desta decisão, posto que este questionamento demandaria uma descabida incursão na prova contida nos autos.
Entretanto, em certos casos, a simples leitura do ofício que requisita os dados sigilosos já escancara a ilegalidade do pedido, permitindo que a instituição financeira atue para impedir uma descabida devassa nos cadastros de seu cliente.
De plano, a ordem de quebra de sigilo para fins de investigação criminal deve ser emanada de quem tenha competência para tanto, a saber, integrantes do Poder Judiciário e Comissões Paramentares de Inquérito, fazendo com que as requisições provenientes de órgãos da Administração Pública e do Ministério Público sejam ilegais e passíveis de não atendimento.
No decorrer do inquérito policial ou da ação penal, sempre haverá a possibilidade de requisições de informações bancárias necessárias para a apuração de qualquer espécie de ilícito penal, condicionadas, contudo, a uma prévia decisão judicial. No tocante às Comissões Parlamentares de Inquérito, apenas as instaladas no âmbito federal possuem competência para determinar quebra de sigilo bancário, muito embora o Supremo Tribunal Federal, em decisão recente e não unânime, tenha conferido estes mesmos poderes para as CPIs estaduais.
Não raro, muito embora sejam emanadas de autoridade judicial competente, as decisões de quebra de sigilo para fins de investigação criminal estampam um clamoroso sinalizador de ilegalidade que permite o imediato questionamento pela instituição financeira.
Isto ocorre em hipóteses semelhantes ao episódio da “CPI do Banestado”, onde a ordem de violação de sigilo é flagrantemente indeterminada, deixando de atingir um correntista específico e recaindo sobre uma coletividade indiscriminada de clientes.
São os casos de ordens de quebra que, ao invés de focarem uma determinada conta corrente, elegem critérios genéricos, como, por exemplo, certas operações bancárias ou patamares de valores, solicitando informes de todos os correntistas que, porventura, realizaram tais transações.
Confrontada com uma ordem ilegal de quebra de sigilo bancário, a instituição financeira poderá valer-se do mandado de segurança para eximir-se de seu cumprimento, já que ausente recurso cabível a espécie e patente seu interesse de agir, consubstanciado na pretensão de ver reconhecido perante o Poder Judiciário o direito líquido e certo em não prestar as informações solicitadas.
A submissão a exigências ilegais de violação de sigilo implica em lesão para a instituição financeira, que sofrerá abalos na credibilidade e confiança que goza de seus correntistas, merecendo a tutela judicial para impedir este prejuízo.
Se é lícito e justo que as instituições financeiras questionem judicialmente o dever de atendimento as ordens judiciais reputadas ilegais, não se pode admitir que o não cumprimento destas mesmas determinações, dentro dos exíguos prazos estabelecidos, venha a trazer implicações criminais.
Logo, ao optar por questionar judicialmente a legalidade da ordem de quebra de sigilo, os responsáveis pela instituição financeira não poderão ser penalizados pelo crime de omissão e retardamento na prestação de informações bancárias, previsto na Lei Complementar nº 105/01, já que presente um justo motivo para o não fornecimento dos dados.
Assim, considerando que o sigilo bancário é tão relevante para o cidadão como para as instituições financeiras, resta claro que estas possuem legitimidade para defender em juízo esta garantia, sempre que vislumbrarem ilegalidades nas requisições recebidas.
Artigo publicado no Valor Econômico e Consultor Jurídico em 22/10/2004.