Algumas diligências da PF parecem filmes americanos

Não é de hoje que a classe política percebeu que a facilidade com que programas populares de TV atingem o grande público pode ser usada para ganhar eleições. Nem é novo, nesse cenário, a utilização de truques dos espetáculos na ação do Poder Público para impressionar as massas. O prefeito Rio de Janeiro, César Maia, batizou a mandrakagem de factóides. Ou seja, pura enganação: fatos sem importância nenhuma são vendidos como iniciativas de grande interesse público.

Visitar locais atingidos por tragédias, pegar crianças pobres no colo, comer sanduíches em botecos e ir a cultos religiosos com os quais não se tem qualquer intimidade fazem parte do arsenal eleitoral primário desse tipo de show.

Mas, nos últimos tempos, o Poder Público enveredou por um terreno perigoso desse negócio. Primeiro, escolhe-se uma pessoa, um grupo ou um setor que não seja dos mais simpáticos à população. Em seguida, cria-se uma operação espalhafatosa — de preferência com um nome bem cinematográfico. Montado o cenário, joga-se a Polícia Federal ou estadual, que chegará apreendendo documentos e computadores. Prendem pessoas e, ato contínuo, convocam-se outros atores, que pode ser o Ministério Público ou uma CPI para dar continuidade ao espetáculo.

Algumas diligências da PF parecem, na verdade, filmes americanos. A imprensa acompanha tudo, presencia tudo. Buscas e apreensões são feitas em residências, na presença de familiares e são amplamente divulgadas pelas emissoras de TV e estampadas nos grandes jornais e revistas. Detenções de suspeitos e algemas. Tudo é calculadamente mostrado, noticiado e publicado com grande alarde quer pelos veículos mais sensacionalistas, quer pelos grandes grupos de comunicações.

Nem fica claro, ao certo, quem é testemunha ou quem é investigado. Um simples depoimento prestado é motivo para ter a vida virada pelo avesso. Não se preserva a intimidade e o direito de se recusar a entrevistas vira arrogância, presunção.

Na esfera federal, essa doença já foi diagnosticada pelo deputado petista Paulo Delgado. Ele chamou a atenção para alguns desses escândalos fabricados. E para o que sobrou de operações pirotécnicas como as Anacondas, Vampiros, Waldomiro Diniz, e o caso do Balé Bolshói que, entre outras, tiveram resultados evidentemente pífios se confrontados com a barulheira que geraram no primeiro momento. Quando chegam à Justiça, são reduzidos às suas verdadeiras proporções.

A recente prisão do jogador argentino superou as expectativas desse show do milhão. Um delegado de polícia entra em campo, não com uma bola, mas sim para dar voz de prisão a um jogador. Porque não esperou o jogador entrar no vestiário para prendê-lo? A reposta é simples. A Autoridade Policial deixaria de sair na televisão, nos jornais, nas revistas, e com certeza não teria seus cinco segundos de fama.

O jogador é algemado, colocado no camburão e toda a imprensa noticia isso como um grande feito. Gostaria de entender qual o raciocínio da Autoridade, por que expor o preso a tanta humilhação, qual o resultado bom dessa sensacionalista postura para a sociedade? Talvez a Autoridade receba ainda uma promoção ou um registro no seu prontuário pela sua atuação exemplar. Patético. É lógico que a conduta praticada pelo jogador argentino deve ser repreendida dentro dos limites da legislação em vigor, mas o achincalhe é inaceitável.

Para essas autoridades não importa se as pessoas têm família, pai, mãe, filhos, tio. O importante é o show. Mas para quê? Por que a humilhação? Por que o espetáculo?

Os recentes fatos espetaculosos devem servir de reflexão para toda sociedade. Chega de show do milhão e de show do ratinho. Bom senso e discrição fazem bem para qualquer um. Mas principalmente para as autoridades. Pode não vender tanto jornal e tanta revista, mas, com certeza, o ser humano vai ser mais respeitado.

De quebra, a polícia, o MP e as CPIs poderão se livrar do constrangimento de ver suas ações desmoralizadas e recusadas no Judiciário. Sem falar das possíveis indenizações por dano moral. Esse constrangimento, a longo prazo, levará do desencanto ao descrédito porque, como se sabe, é impossível enganar a todos o tempo todo.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico em 18/04/2005.

José Luis Oliveira Lima