Defesa ainda não teve acesso aos termos da suspeitíssima delação de Mauro Cid
Por: José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua – Advogados criminalistas, integram a defesa do general Braga Netto
O ideal seria defender o general Braga Netto nas páginas do processo, e não na Folha, mas, dado que o caso é frequentemente abordado na imprensa, sentimos a necessidade de ocupar este espaço. É fundamental que uma parte da sociedade compreenda a importância do direito de defesa, que garante ao acusado o acesso aos autos e às provas que foram apresentadas contra ele.
Além disso, é crucial que a imprensa exerça cautela ao utilizar termos como “golpista”, especialmente quando não há uma acusação formal, processo em trâmite ou uma condenação consolidada pelo Judiciário.
A prisão preventiva do general Braga Netto exemplifica o mau uso da colaboração premiada e infringe o princípio constitucional que estabelece a liberdade como regra e a prisão como exceção.
A Polícia Federal fundamenta o envolvimento dele na chamada trama golpista com base no depoimento de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que já prestou declarações diferentes em mais de uma dezena de ocasiões. Após ser preso e assinar um acordo de delação, Cid foi solto, mas disse ter sido coagido pelos policiais, que o pressionaram com a ameaça de uma longa pena de prisão. Ele revelou que as autoridades não buscavam a verdade, mas sim a confirmação de uma narrativa preestabelecida.
Após essas graves denúncias, Cid foi novamente preso e só libertado após novos depoimentos, momento em que então começou a acusar Braga Netto. Uma acusação oriunda de uma delação tão problemática deveria ser tratada com cautela, mas, surpreendentemente, foi utilizada para decretar a prisão preventiva do general antes mesmo do devido processo legal, sem garantir as mínimas condições de ampla defesa.
A justificativa para essa prisão foi uma suposta tentativa de obstrução da justiça, com a alegação de que o general tentaria acessar informações da delação de Cid para interferir nas investigações. No entanto, essa prisão foi baseada em presunções, sem a apresentação de fatos concretos que a justificassem, conferindo irrestrita credibilidade a um colaborador que já havia declarado ter sofrido coação.
Passados mais de 30 dias de sua prisão, a defesa do general Braga Netto ainda não teve acesso aos termos da suspeitíssima delação de Mauro Cid. Imagine-se o leitor deste conceituado jornal nessa mesma situação: preso sem saber o motivo.
Uma das lições mais importantes da Operação Lava Jato é que, no âmbito do processo penal, os fins não justificam os meios. Não se pode cometer ilegalidades em nome do combate à corrupção, assim como não se justifica a violação da Constituição Federal em nome de uma suposta defesa do Estado democrático de Direito.
A repetição de padrões da Lava Jato é alarmante. A hipervalorização da delação premiada e a banalização da prisão preventiva foram marcas registradas dessa operação. O método de libertar investigados apenas após a assinatura de acordos de delação, duramente criticado pelo ministro Gilmar Mendes, repetiu-se no recente caso de Mauro Cid.
A impressão que se tem é que, independentemente do espectro político dos investigados, os abusos e ilegalidades permanecem inalterados. Em 2025, ao retornar do recesso judiciário, espera-se que o STF reavalie o uso da prisão preventiva, respeitando os limites da Constituição Federal e revogando a prisão do general Braga Netto, em defesa do Estado democrático de Direito e da credibilidade da Justiça brasileira.