A ‘oab’ tem de voltar a ser a OAB

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/02/a-oab-tem-de-voltar-a-ser-a-oab.shtml

Não pode ser a Ordem dos Aduladores de Brasília, que aplaude magistrados

José Luis Oliveira Lima

Advogado criminalista, é membro do conselho consultivo do Innocence Project Brasil

Ordem dos Advogados do Brasil sempre foi sinônimo da mais alta institucionalidade, tribuna da cidadania, porta-voz dos mais intangíveis valores humanitários e democráticos. Friso o “foi” que usei na sentença.

A “oab” se apequenou, manteve as mesmas letras de sua sigla, mas em minúsculas. É passada a hora de recuperar sua dimensão natural para o bem da sociedade brasileira, da democracia, das instituições. A “oab” precisa voltar a ser OAB.

Não há como discutir a nobre função da maior representante da sociedade civil do país sem colocar em perspectiva os rumos da advocacia e da defesa das prerrogativas em termos nacionais.

Sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Brasília – Valter Campanato/Agência Brasil – Agência Brasil

E se nacionalmente vemos o apequenamento do sagrado papel da Ordem na defesa dos direitos básicos do advogado —participar de uma mera audiência e fazer uma sustentação oral em defesa de seu representado!—, se garantias mínimas são usurpadas com leniência cortesã de grupos que se parecem mais com partidos políticos do que com advogados unidos em torno da advocacia, essa reação precisa começar por São Paulo. Para o bem da advocacia de São Paulo, para o bem da advocacia de todo o Brasil.

A Ordem dos Advogados do Brasil não pode ser a Ordem dos Aduladores de Brasília. Não pode ser a Ordem que cochicha nos ouvidos. Tem de ser a Ordem que se inflama nas tribunas em favor dos direitos fundamentais. Não pode ser a Ordem que aplaude magistrados, mas a Ordem que alerta, a Ordem que ajuda não com a subserviência dos elogios que iludem, mas com a altivez que pode evitar erros.

Recentemente, a imprensa noticiou algo constrangedor. Até uma lista, uma espécie de “cola”, foi distribuída para a escolha de representantes do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), indicados pelo quinto constitucional. Recuso-me a acreditar em algo assim. Mas isso mostra, como diria Caetano, que “alguma coisa está fora da ordem”.

Realizada nesta quinta-feira, a eleição para presidente da OAB causou lentidão no centro de São Paulo Silva Junior/FolhapressMAIS

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A questão é que todo o processo de grandes transformações, rupturas, avanços e saltos da história do país necessariamente teve o estado de São Paulo como mola propulsora. O que temos hoje é uma “oab” nacional que se tornou o monopólio de alguns poucos que produz um efeito nefasto para toda a advocacia: apequena a grandeza da Ordem à escala dos comezinhos interesses de um ou de poucos, quando a instituição deveria refletir a grandeza exatamente ao espelhar a multiplicidade de muitos e muitos, de todos.

O quinto constitucional é uma das mais belas construções da Carta Cidadã, a via de acesso ao Judiciário da sociedade —não das sociedades anônimas, dos interesses privados.

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Advocacia em São Paulo

Sala de reunião na sede da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil Rubens Cavallari-14.ago.23/FolhapressMAIS

É por isso que temos de criar e semear em São Paulo uma mensagem de resistência e de luta pelos princípios e valores mais sagrados da advocacia: porque advocacia maiúscula é melhor para todas e todos os advogados, mas é também para todo o país, para a democracia, para as instituições, para o próprio Judiciário, para o amplo direito de defesa, para as garantias, para o devido processo legal.

Quando a advocacia se rende, se entrega, se domestica e passa a se imaginar engrenagem do poder para retroalimentar projetos de poder dentro da instituição, de fora para dentro, o custo disso é a servidão, a renúncia, o silêncio obediente, é ser o rabo do cachorro e não a mandíbula, o uivo que emana do âmago em defesa de valores e princípios apesar de tudo e de todos —é, enfim, ser minúscula e não maiúscula como a OAB tem de ser.

Série da Folha apresenta perfis de figuras relevantes no mundo jurídico Catarina PignatoMAIS

A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federalproibindo advogados de conversarem é uma afronta à advocacia que nem mesmo a ditadura militar ousou fazer.

Chegou a hora do Conselho Federal da OAB parar de lançar notas vagas e efetivamente fortalecer a advocacia e suas prerrogativas. E a partir desse ponto vamos recolocar a OAB no papel maiúsculo que ela nunca deveria ter perdido. Pelo bem da advocacia. Pelo bem da democracia. Pelo bem da Justiça. Pelo bem dos direitos fundamentais.

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José Luis Oliveira Lima